quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Geração CTRL C CTRL V


Evilásio Pereira Rocha*
evilasiorocha_ftc@yahoo.com.br


Posso me considerar um sujeito felizardo, pois sou daqueles que nunca desprezam uma boa leitura, acredito que a leitura mais prazerosa é aquela espontânea, sem compromisso, sem prazo, sem cobrança, é a leitura pelo prazer de ler. Comecei ler ainda criança e a minha iniciação nesse mundo se deu pelas revistas em quadrinhos as quais eu lia escondido dos meus pais, pois os mesmos eram pessoas simples, dedicadas ao labor e como não tiveram a oportunidade de acesso a educação formal, desconheciam a importância do ato de ler para a formação intelectual do aprendiz. Hoje, passados alguns anos desde a tenra idade continuo “viciado” em uma boa leitura que vai desde as velhas estórias em quadrinhos aos grandes clássicos da literatura universal, perpassando pelas crônicas, contos e poemas, os quais nos são acessíveis das maneiras mais simples imagináveis. – Mas, e as velhas revistas em quadrinhos onde estão? Nas bancas de jornais que antes eram sinônimos dessas publicações, encontramos facilmente revistas de fofocas, pornografia, encartes diversos e até jogos eletrônicos, encontramos também as revistinhas... escondidas em algum canto onde somente com muita persistência podemos encontra-las. A diminuição da importância das revistas em quadrinhos para os comerciantes do ramo é diretamente proporcional ao interesse que ela desperta no publico jovem e isso reflete uma verdade que me angustia profundamente: nessa sociedade tecnológica onde impera os jogos eletrônicos e as lan houses nossa juventude está deixando de ler.
Como professor, pude perceber isso ao passar alguns trabalhos de pesquisa para meus alunos, trabalhos estes que evidentemente exigiam uma leitura acerca do tema pesquisado, tal foi a minha surpresa quando as “pesquisas” chegaram as minhas mãos, em sua maioria, eram textos retirados da Rede Mundial de Computadores, muitos dos quais nem sequer se deram ao trabalho de fazer a formatação. Angustiado com essa realidade passei a prestar mais atenção ao comportamento dos nossos estudantes e dia desses quando estava em uma das casas de acesso a internet de nossa cidade testemunhei o seguinte dialogo entre um estudante da Escola Estadual Senador Pedro Lago e o jovem funcionário da casa:
- Eu quero fazer uma pesquisa.
- Sobre o que?
- Sobre a Reforma de Lutero.
Como um grande intruso, que, aliás, não sou, falei para o estudante que era a Reforma Protestante, mas ele foi incisivo ao falar:
- Não é essa daí que eu quero, quero a Reforma de Lutero.
Resignado me recoloquei a parte do dialogo, mas tive tempo de ouvir o atendente – que pela idade aparente também devia ser estudante – tranqüilizar o nosso intrépido pesquisador ao dizer:
- Ah. A Reforma de Lutero eu tenho aqui.
E redimensionando uma pagina da Internet que já estava aberta, imprimiu em duas folhas de ofício as quais entregou ao seu interlocutor que perguntou:
- Quanto é?
- São dois reais.
Satisfeito e com a sensação de tarefa cumprida, nosso amigo pagou os dois reais e saiu com a sua “pesquisa” pronta. Espero que ele tenha tido a sapiência de colocar ao menos o cabeçalho com o nome da escola e principalmente com o seu nome para diferenciar sua “pesquisa” das demais que com certeza iriam com o mesmo conteúdo. Ou alguém pode explicar por qual outro motivo o rapaz da lan house já tinha uma pagina aberta com a “Reforma de Lutero”?
Iniciei este artigo falando das revistinhas em quadrinhos, pois, acho que nenhuma criança vai começar tomar gosto pela leitura a partir dos grandes clássicos da literatura brasileira e universal. O processo deve ser gradativo, perpassar por leituras fáceis e prazerosas para despertar dentro de nossos jovens o prazer de ler. Como professor, acredito que a escola tem papel fundamental na formação do leitor, ademais é fato que antes de formarmos bons pesquisadores, temos que formar bons leitores, ou então a sociedade moderna irá se confrontar com um novo fenômeno sociológico: uma demanda por conteúdos “prontos” no universo virtual, e desta forma tal qual fazemos com os remakes das novelas da Rede Globo, teremos que nos acostumar com a falta de criatividade – e de leitura – dos nossos jovens “pesquisadores”. Isto me faz lembrar um dos maravilhosos contos de Andersen: O Rouxinol e o Imperador da China, pois por mais que nossos alunos consultem o mundo virtual para colher suas “pesquisas” sempre haverá o homem inteligente por trás da máquina – leiam o conto, vejam a parte do pássaro mecânico e entendam por si só. A situação vivenciada na lan house, juntamente com o fato de meu sobrinho de apenas 11 anos e cursando a 5ª série sempre me pedir algum trocado para ir “fazer pesquisa na internet”, me faz sentir saudades do meu tempo de estudante quando íamos pesquisar na biblioteca, e a mesma lembrança nostálgica me faz sentir um pouco de pena dessa geração, a geração CTRL C CTRL V.

*Licenciado em História pela Faculdade de Tecnologia e Ciências – FTC.
Ex professor substituto do Centro Educacional Municipal João Câncio.
Diretor da Escola Municipal Anália de Almeida Souza Lima.

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